Sementes patenteadas:
proteção para empresas, risco para agricultores

Silvia Noronha

Foto: Eneraldo Carneiro / Imagens da Terra
O projeto de lei sobre cultivares, que está para ser votado este mês na Câmara, é considerado mais um golpe contra a agricultura no país. O pequeno produtor deverá ser o mais atingido. A agricultura familiar, fundamental para diminuir a fome no Brasil, pode, a longo prazo, ficar inviável, beneficiando grandes proprietários.

Se aprovada a Lei de Cultivares, as sementes passarão a ter "dono", que sempre poderá cobrar uma taxa (royalties) por sua multiplicação comercial. O termo cultivar refere-se à variedade de plantas cultivadas que tiveram melhoramento genético, ou seja, aquelas desenvolvidas a partir de uma ou mais variedades. Isso possibilita a criação de sementes, às vezes, com rendimento até 100% maior. A Lei de Cultivares quer proteger as empresas que dominam esse melhoramento, mas há alguns riscos.

Para a engenheira agrônoma Angela Cordeiro, coordenadora do Programa de Recursos Genéticos da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), a lei vai prejudicar o pequeno agricultor brasileiro, que produz metade dos alimentos consumidos no país. Segundo ela, a lei torna ainda mais distante a possibilidade de vida digna no campo.

O Relatório sobre Desenvolvimento Humano no Brasil, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mostra que quatro em cada dez brasileiros que vivem na área rural são pobres. Isto representa 12,2 milhões de pessoas. Se pioram as condições de vida no campo, há reflexos em todo o país. Sem condições de sobrevivência, os moradores trocam o campo pelas cidades, que, por sua vez, já possuem 30 milhões de pobres.

O economista David Hathaway, assessor da AS-PTA, lembra que as sementes melhoradas, embora tenham rendimento superior, necessitam de altas doses de agrotóxicos, o que aumento o risco de contaminação dos alimentos. A lei também poderá prejudicar as iniciativas comunitárias de reprodução de sementes, atualmente incentivadas por organizações não-governamentais e associações rurais, que seriam obrigadas a pagar a taxa ao "dono" da semente.

Aumento da Pobreza

O doutor em agronomia Carlos Jorge Rosseto, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), afirma que a Lei de Cultivares provocará aumento da pobreza brasileira, porque concentra as pesquisas e a produção de sementes nas mãos de poucos. Em seu texto "O fim do futuro", ele diz que a razão da pobreza é justamente esta concentração, que torna um pequeno grupo de pessoas cada vez mais rico e dominador, enquanto a maioria fica cada vez mais pobre.

No caso das sementes, apenas 15 empresas multinacionais controlam um terço do mercado mundial. Segundo Rosseto, as instituições nacionais de pesquisa serão colocadas a serviço das multinacionais estrangeiras, que passarão a dominar cada vez mais as vendas do setor também no Brasil. Por isso, ele acredita que leis como a de cultivares e a de patentes reforçam a desigualdade social.

A Defesa da Lei

A favor da proteção a cultivares, a diretora da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –, Elza Battaggia Brito da Cunha, garante que o impacto sobre os preços da produção agrícola será mínimo. E acredita que a lei fortalecerá a Embrapa e todas as empresas e instituições de pesquisa pública nacional do setor. Ela explica: as instituições, que são públicas mas contam com poucos recursos do governo, ganharão dinheiro cobrando taxas para multiplicação das sementes melhoradas. Esse dinheiro permitirá incrementar a pesquisa nacional.

David Hathaway rebate: "Isso é como privatização branca, o setor público trabalhando na lógica da iniciativa privada."

Para Exemplificar

No Brasil, as empresas do setor pesquisam durante sete a dez anos para conseguir uma semente melhorada. Depois elas vendem as variedades desenvolvidas para outras empresas, que vão multiplicar as sementes e revendê-las aos agricultores. Após a aprovação da Lei de Cultivares, essas empresas multiplicadoras terão de pagar uma taxa (mundial, de 3% a 5%) ao "dono" da semente sobre a quantidade que ele revender, o que não é cobrado hoje.

O peso do pequenos.


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