Para que servem as universidades públicas?
Luiz Alberto Sanz

Foto: Marcelo Oliveira / Imagens da Terra
O que oferecem as universidades públicas a quem as sustenta mas não tem acesso às suas aulas? O que a população trabalhadora recebe em troca dos impostos? Quase nada, parece responder o governo. E age de acordo. Reduz verbas para o ensino e a pesquisa, extingue direitos de professores e funcionários, congela salários, proíbe concursos para a renovação de quadros e acusa as instituições federais de ensino de onerar o Tesouro com excesso de pessoal. Os meios de comunicação fazem eco e ampliam essa imagem de ineficácia e desperdício.

Professores e cientistas retrucam: a excelência das universidades públicas vai do desenvolvimento de um poderoso analgésico a partir do veneno da jararaca à tecnologia de alimentos, passando pelo planejamento urbano, pela reformulação da educação e pela preservação de recursos genéticos. Durante a 48ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, (São Paulo, 7 a 13 de julho passado), foram apresentados três mil trabalhos dando conta de investigações e pesquisas realizadas, em sua maioria, por instituições públicas de ensino superior. Uma delas, exatamente a do veneno da jararaca, valeu a indicação do presidente da entidade, Sergio Henrique Ferreira, ao prêmio Nobel de medicina.

Existem hoje no Brasil 7.300 grupos de pesquisa, em 158 instituições, reunindo 27 mil pesquisadores e 61 mil estudantes, segundo Reinaldo Guimarães, chefe da equipe constituída pelo CNPq para elaborar o Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil. Isso parece muito, mas é ainda insuficiente. O jornal Ciência Hoje On Line destaca, por exemplo, três áreas importantes que continuam sendo precariamente investigadas, segundo o estudo do professor Guimarães:

  1. não existem pesquisas sobre transportes na região Amazônica;
  2. o Brasil, que passa por profundas alterações demográficas, conta apenas com 30 grupos dedicados a problemas populacionais;
  3. mais de 600 grupos de pesquisa dedicam-se à biotecnologia, mas preferem publicar documentos a desenvolver produtos e processos técnicos, atendendo a demandas do país.

Três SBPCs

Debilitada em sua autoconfiança pela precariedade das condições de trabalho; por vezes arrogante e ensimesmada, a comunidade acadêmica não abandona, no entanto, a bandeira da ciência para o progresso da sociedade brasileira – tema da reunião realizada na PUC de São Paulo. É isso que lhe permite ainda um mínimo de autocrítica, buscando melhorar o mundo.

As programações das "três SBPCs" investiram em demonstrar e discutir o que está sendo feito para beneficiar o homem comum. A Expociência exibiu inventos que vão da panela inteligente a um robô que identifica voz, imagens e controla sua trajetória desviando-se de obstáculos, desenvolvido pelo Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ. Para que serve? Ele substituirá o trabalho humano em ambientes hostis. Por exemplo: sondas submarinas e fundições.

A SBPC Jovem ofereceu mini-cursos, oficinas e laboratórios abertos, entre outras atividades, dando oportunidades de aperfeiçoamento a adolescentes e jovens de todo o país. O concurso Cientista do Amanhã reuniu 32 trabalhos de pesquisadores com idades entre 15 e 22 anos, que trabalharam temas como irrigação, cultivares e complexas questões de biologia e arqueologia.

Não é sem razão que 208 trabalhos da SBPC Sênior foram dedicados à educação e algumas das principais mesas-redondas investiram em esclarecer a responsabilidade social da universidade e as políticas nacionais para a educação básica. Embora carente de recursos, a rede pública, tendo apenas 25% das instituições, abriga, segundo dados divulgados pelo professor Carlos Benedito Martins, da Universidade de Brasília, 40% dos estudantes de graduação. A pós-graduação, essencial para o aperfeiçoamento de professores e técnicos, é realizada quase exclusivamente pelo setor público, que mantém 70% das instituições. Pós-graduação implica investimento em pesquisa, turmas menores, custos mais altos. As particulares só assumem 30% do bolo.

Tecnologia

A proposta de informatização das escolas abriu nova polêmica. O projeto do governo de instalar 277 mil computadores em 18 mil escolas públicas com mais de 200 alunos, servindo a 477 mil professores e 10 milhões de estudantes, foi recebido com preocupação. Três dos principais conferencistas, Maria Cândida Morais, da PUC-SP, José Armando Valente, da Unicamp, e Bruno Vitale, da Universidade de Genebra, condicionaram o uso da tecnologia a necessidades reais do ensino. Vitale deixou claro que o computador só deve entrar em sala quando for imprescindível. Maria Cândida associou seu uso a uma reestruturação do ensino. Valente reivindicou que se reflita sobre como os softwares serão usados: "É preciso cuidar para que o computador não seja apenas um substituto do professor".

Os participantes da 48ª Reunião, parecem ter partido de São Paulo convencidos de que a estrada que conduz à 49ª SBPC, em Belo Horizonte, passa pela maior contribuição da universidade na transformação do ensino em nosso país, pondo, realmente, a ciência a serviço da sociedade brasileira.


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